ASPECTOS RELEVANTES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR RELATIVOS AOS BANCOS DE DADOS E CADASTROS DE CONSUMIDORES
Em nosso país, há diversas demandas que têm por desígnio principal a reparação de danos morais surgidos pela inobservância do que preceitua o artigo 43, § 2 do Código de Defesa do Consumidor, qual seja, de que "a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele".
Ocorre que, na maioria dessas ações, discute-se, de certa forma, se o fornecedor dos dados pertence à esfera passiva de tal demanda ou não, sendo que o referido artigo diz respeito apenas aos bancos de dados e cadastros de consumidores, não fazendo referência desta forma, ao credor da obrigação.
Ocorre que, cada vez mais, é disponível aos cidadãos a obtenção de crédito sem garantias de adimplementos e com juros altíssimos, o que resulta na grande massa de inadimplência que temos nos dias de hoje. A maioria das pessoas não se preocupa, na realidade, em zelar pelo seu nome e, assim sendo, é aceitável o argumento de que os bancos cadastrais são de grande valia e utilidade para que a atividade consumerista ocorra com maior confiabilidade creditícia até mesmo porque, são eles, os bancos de dados, que muitas vezes viabilizam certa segurança na hora do pacto negocial, independente de sua espécie, visando garantir a "saúde do crédito".
Diante de tais considerações, é preciosa a análise do preceito legal ultra mencionado, pois obter cadastro nesses bancos obviamente configura um ônus que ultrapassa a seara financeira, atingindo o campo moral do consumidor.
Entretanto, essas ponderações devem ser analisadas individual e minuciosamente, pois um cidadão que deixa de adimplir uma obrigação, por bom senso do órgão julgador, deve, obrigatoriamente, possuir tratamento diferenciado daquele que possui vários inadimplementos, até mesmo porque se deve levar em consideração o animus decipiendi da maioria dos autores que ajuízam tais ações, além do que, o princípio da proporcionalidade deve ser analisado em sentido amplo e geral.
No que concerne à questão de princípios, vale mencionar que a comunicação por escrito estipulada no artigo 43, § 2 do Código de Defesa do Consumidor é de ser obedecida, pois além de ser um preceito legal, o seu descumprimento fere princípios constitucionais, tais como o do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Senão vejamos: o consumidor, ao receber a notificação, poderá impugnar tal anotação, caso não corresponda à realidade dos fatos. Por outro lado, também poderá adimplir a obrigação em um determinado prazo, interregno onde o seu nome não poderá ser incluído no rol de inadimplentes. Caso o devedor não consiga resolver a pendenga, ainda poderá recorrer ao Poder Judiciário, utilizando-se, daí, do princípio do devido processo legal. É obrigatório, pois, por determinação legal, que o consumidor seja comunicado por escrito que seu nome integrará, juntamente com os demais inadimplentes também devidamente comunicados, os bancos de dados cadastrais, disponíveis à "sociedade interessada". Cabe aqui uma ressalva, qual seja, de que os bancos cadastrais não emitem informações de juízo de valor, apenas limitam-se às informações recebidas a respeito do inadimplemento.
Quanto a quem realmente é legitimado no pólo passivo das demandas com tal desiderato, há controvérsias. Um exemplo desta separação, é que, enquanto alguns defendem que o credor da obrigação é parte ilegítima, pois apenas fornece os dados, não efetuando assim os registros em epígrafe, outros entendem que os bancos de dados são apenas arquivistas, não devendo ser responsabilizados pelas informações recebidas, pois "não fizeram parte do negócio jurídico", apenas transmitiram informações. Por outro lado, também há os que defendem que tanto os bancos de dados cadastrais quanto as instituições financeiras devem ser responsabilizadas pelos danos causados ao devedor, no caso, consumidor, pois conforme preceitua o artigo 7º, § único, do CDC, "tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo". Cabe salientar, ainda, que é lícito ao credor promover a inclusão em banco de dados, desde que a dívida seja certa e líquida. Por outro lado, o banco de dados é parte legítima no que diz respeito à notificação que deverá, por lei, ser prévia e por escrito, ou seja, o banco de dados somente poderá pertencer ao pólo passivo de tais demandas no que concerne à falta de comunicação, pois não cabe a ele imiscuir-se nas relações creditícias, sendo que estas ficam a cargo do consumidor e do credor.
Outro fato resultante de tal comunicação é que muitas pessoas entendem que o envio deveria ser remetido com aviso de recebimento.
Entretanto, temos que observar que o que não está na lei não pode ser exigido.
Logo, apesar de tantas discussões sobre tal ponto, não há como impor aquilo que o legislador assim não quis. E, nesse diapasão, não será o Judiciário que criará novas normas, até mesmo porque, não possui poderes para tal. A única exigência prevista em lei é que a comunicação seja escrita, onde se deve preservar o sigilo e a intimidade do devedor. Nenhuma comunicação poderá efetivar-se caso o destinatário recusar-se a recebê-la, o que torna a eficiência do sistema de entrega de correspondências precária e acarreta uma diminuição na concessão de novos créditos se visto tal acontecimento de forma mais ampla. Não podemos olvidar que pelas regras da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, é imprescindível a identificação do remetente para enviar correspondências com aviso de recebimento, violando assim a intimidade do destinatário, no caso o devedor.
Quanto ao tempo de permanência, ou seja, o prazo de negativação que os bancos de dados cadastrais poderão conter informações negativas de determinado consumidor, encontramos previsão no artigo 43, §§ 1° e 5° do CDC, bem como na Súmula 323 do Superior Tribunal de Justiça. No § 1° do artigo 43 do estatuto consumerista, vislumbra-se o prazo máximo de permanência que o consumidor poderá ficar negativado, estipulado em 5 anos.
Corroborando com tal preceito, temos o verbete 323 do STJ, que prevê o mesmo prazo de permanência.
Devemos nos atentar, ainda, ao fato de que há uma divergência jurisprudencial quanto à aplicação ou não do § 5° d o artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor em relação ao prazo de permanência no banco de dados, onde tal dispositivo preceitua que "consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores". A divergência acontece no sentido de que alguns entendem que quando houver a prescrição do título deveria também ocorrer à exclusão do nome do consumidor do banco de dados, entretanto, como já explanado, este tema encontra-se sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, onde este entende que como o prazo máximo para permanência é de cinco anos, poderá o banco de dados continuar a fornecer as informações mesmo que o título encontre-se prescrito.
Cabe salientar, também, que, embora o prazo máximo para a permanência nos bancos cadastrais seja qüinqüenal, o credor poderá ainda cobrar a dívida no prazo de dez anos quando a lei não lhe haja fixado prazo menor, conforme dispõe o artigo 205 do Código Civil. E o prazo prescricional para a cobrança de dívidas, sabemos todos, depende da origem das mesmas.
Aliás, com o advento do novo Código Civil, surgiu uma controvérsia quanto ao tempo máximo de permanência que os bancos de dados podem manter o nome do consumidor inadimplente em seus cadastros. A grande
dúvida em questão dá-se em torno do artigo 43, §§ 1° e 5° do Código de Defesa do Consumidor, bem como do artigo 206, § 3°, VIII, do Código Civil de 2002. Data vênia, ocorre que alguns juristas interpretam de forma equivocada o preceituado no 206, § 3°, VIII, do Código Civil, on de o mesmo dispõe que a pretensão de haver o pagamento do título de crédito, a contar do vencimento, prescreve em três anos, ressalvada as disposições de lei especial. Ora, o prazo prescricional a qual se refere este artigo diz respeito à exigibilidade do título, que é um dos requisitos da ação de execução, ação esta que é totalmente distinta da ação de cobrança referida no artigo 43, § 5°, do Código de Defesa do Consumidor.
Face ao exposto, nota-se que é infundada a polêmica suscitada. O novo Código Civil em nada alterou o prazo máximo de permanência dos consumidores em bancos de dados, até mesmo porquê as relações deconsumo são disciplinadas pelo Código de Defesa do Consumidor, merecendo tratamento especial. Logo, não são regidas pelo Código Civil. E, assim sendo, temos que, se não ocorrer a prescrição da ação de cobrança, os bancos de dados poderão manter o cadastro do consumidor inadimplente por até cinco anos, fixando-se assim, o prazo máximo, conforme já sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça.
NATASCHA ANCHIETA
ACADÊMICA DE DIREITO